quarta-feira, 27 de janeiro de 2016

Puta publicidade

Eu mesmo liguei pra polícia, a polícia mesmo deve ter ligado pra Record. Esses putos se comem. Os policiais, peritos, paramédicos, IML, a repórter do Cidade Alerta, o câmera do Cidade Alerta. Todos na minha sala.

As horas passam... alguém bate à porta do lavabo. Abro só uma fresta, nu. Estico o pescocinho pra ver quem chama e dou de cara com o meu reflexo de ponta-cabeça na lente da câmera. De trás do cinegrafista, a voz da repórter Solange Kauso indaga veemente:

— Qual a emoção de se deparar com essa, como bem diz Wagner Montes, covardia egoísta, a sua irmã, uma fugitiva da Interpol, se matar e ainda responsabilizar o senhor, um trabalhador brasileiro, conta pra gente a emoção dessa perda brutal!

A pergunta foi longa e estúpida demais, e eu parei de ouvir depois do "covardia egoísta". Ora, se você soubesse, queridinha, que isso foi um cala-a-boca, ainda assim você me ofenderia com sua petulante indiferença? Um circo, aquilo.

Eu me senti num circo bolorento daqueles que ainda mantém animais e bolores. Eu no centro do picadeiro. O animal me entrevistando. Uma pergunta bolorenta. Agora eu estava em foco e travei. Suspirei de vagar meio em transe, pensando em como responder àquela coisa escrota sensacionalista. Franzir o cenho e dizer que é uma perda terrível? Forçar uns soluços? Forçar uns soluços e fechar a porta? Fechar a porta? Fechei a porta.

Sentei no vaso de novo, tirei do potinho do fio-dental uma pontinha de fino-mentol. Uma bagana de maconha mentolada. Eles fazem isso pra atravessar a fronteira e os narizes caninos da Polícia Federal. Eu tinha enfiado a pontinha ali depois de ter sumido com todos os flagrantes e antes de chamar os canas e os canas chamarem o circo dos bolores.

Claro que se você acende, o cheiro de erva atravessa a porta do lavabo como um dedinho encantado flutuante, convidando o PM, conduzindo-o no ar como o cheiro de uma deliciosa panqueca conduz um Pato Donald à deliciosa panqueca. Resolvi deixar a panqueca pra mais tarde.

Acendi um cigarro mentolado da Rita. "Pensa, pensa, pensa". Lá fora, a repórter Solange Kauso batia e repetia "Seu Max?... Max... Max...". "Pensa, pensa, pensa". Pensei.

Pera aí... eu ainda tenho a CDD 250H... os sacanas que mataram a minha irmã ainda não sabem disso, até onde eu sei. Tudo o que eu sei, aliás, é que algo fede. Não aqui no lavabo.

Primeiro sai o anúncio do Roberto Carlos comendo carne na TV. Também teve o caso da biografia do Rei recolhida e a nova legislação de censura às biografias. Os rumores de que Lulinha era o dono da Friboi nunca descansaram muito tempo nos meus ouvidos. E aí o vídeo que eu mesmo filmei naquela tarde. Tudo muito louco, vendo de fora nada disso parecia ter ligação. Não fazia a menor ideia do que estava acontecendo sob as cortinas de fumaça da realeza brasileira. Mas há fogo. E quem é aquele cara, o Raul, o cliente que pagou adiantado pra descobrir os segredos do Roberto?

— Max... Max... Max...

Bem... isso é importante, mas não eram perguntas sem resposta que eu procurava agora. Fui realizando na minha cabeça que, óbvio, o caso estava encerrado, o contrato me protegia de situações de alto risco como essa. A grana é minha e não devo mais satisfação a Raul, Fidel ou a quem quer que seja.

— Max...

Eu tinha a fita. Perdera a Rita. A Record estava quase na porta da minha bunda querendo audiência. E adorariam crucificar um Rei Global. Os PMs não sabem de nada, fato... tá na cara... sempre... pelo menos aqui no Rio. Minha irmã foi assassinada porque alguém queria o meu silêncio. Mas matar depois do barulho seria como chover no molhado. A boca secou. Eu precisava de dinheiro... sempre. Aparecer na telinha é uma puta publicidade... sempre.

— Max...

Roupas, ninguém acreditaria em um cinquentão pelado. Fucei o cesto de roupa suja e encontrei um terno vermelho que eu visto em casa nos dias frios. Tinha um terno verde, um azul e um vermelho. Usei o verde e o azul até puírem de vez. Era a vez do vermelho. No cesto ainda, uma camisa e uma gravata. Pendente no gancho sob as toalhas, um chapéu panamá branco com fita preta. A fita da CDD 250H saiu fácil do bolso do jeans jogado em frente vaso. Apaguei o cigarro. Abri a porta.


16 comentários:

  1. Que texto *.*
    Adorei.

    Adorei o seu blog e já estou a seguir :)

    beijos,
    Daniela RC
    Blogue: Doce Sonhadora

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  2. hauhsuahsuahsu eu preciso ler mais dos seus textos.
    Deu risada no "ninguém acreditaria em um cinquentão pelado" sabe quando você imagina a cena? Pois é.

    Beijinhos, Helana ♥
    In The Sky, Blog / Facebook In The Sky

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  3. Adorei seu texto, possui alguns toques divertidos, se não me engano é o segundo que leio essa semana e adorei. Gostei do seu blog. www.sagaliteraria.com.br

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  4. Ãdoreeeeei! Roberto carlos comendo carne na tv, um cinquentão pelado kkkk achei super divertido! Vou voltar aqui mais vezes pra ler os seus textos. Parabeéns!

    http://porredelivros.blogspot.com.br/

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  5. Seu texto me arrebatou. Simplesmente adorei! Envolvente e divertido e me deixou com gostinho de quero mais.
    Parabéns!

    Bjs.

    http://ciadoleitor.blogspot.com.br

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  6. Nossa eu estou amando acompanhar seus textos, sério! Um melhor que o outro, adorei esse!

    Beijos

    http://www.oteoremadaleitura.com/

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  7. Oie, tudo bem? Mais uma vez seu texto está bem escrito, com um toque especial. Parabéns pela escrita. Beijos, Érika

    - www.queroseralice.com.br -

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  8. Texto muito bacana.
    Gosto da maneira que você escreve com um certo toque de humor.

    Lisossomos

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  9. O humor utilizado na linguagem é ótimo, parabéns pelo texto.

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  10. Bem legal o seu texto, não tenho a menor ideia do que é CDD 250H mas fiquei imaginando aqui o que exatamente o cara ia dizer pra essa imprensa sensacionalista.

    Beijo.

    Ju
    Entre Palcos e Livros

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  11. Olá :D
    Dei umas boas risadas no seu texto haha
    Abraço
    http://interessantedeler.blogspot.com.br/

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  12. Uool!!
    Adorei...rsrs...achei até que fosse mesmo uma publicidade de algum livro, logico que vou esperar por mais desse seu texto!!

    Beijos

    devoreumlivrooufilme.blogspot.com.br

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  13. Oie,

    Hahahahha só podia ser a Record mesmo batendo na porta dos outros, dei muitas risadas hahaha.

    Bjs

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  14. Oii, tudo bem?

    Gostei bastante do seu texto, bem fluído e com um toque de humor. Realmente, a impressa sensacionalista se aproveita de qualquer situação. Espero mais textos assim.

    Beijinhos,

    Rafaella Lima || Vamos Falar de Livros?

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  15. Ei, tudo bem?
    Muito legal o texto, pretendo ler os outros para entender melhor a história. Adorei essa pitada de humor que tu coloca no meio.

    Beijos, Gabi
    Reino da Loucura

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  16. Puuutz,que escrita supimpa,bro! O sensacionalismo da Record também me dá nos nervos. Gostei muito mesmo,sinceramente,vou dar uma olhada nas suas outras cronicas depois. Abraço!

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