sexta-feira, 22 de janeiro de 2016

O sonho da dona de casa brasileira

Chegou um cliente incomum assim que eu voltava de um pulinho na rua pra comprar cigarros. Eu o interceptei antes que tocasse a campainha e estragasse o resto do meu dia. Ele parecia normal na hora, eu é que parecia um detetive incomum, por volta dos sessenta, calça de pijama, camisa polo, jaqueta, chinelos, cabelos...

— Vamos tomar um café ali na esquina, eu vou só vestir alguma coisa, você espera aqui? Qual seu nome mesmo?

— Espero. Raul.

— Prazer, Raul. Não toque a campainha por favor... — eu tinha que me prevenir...

Gritos a esmo de uma mulher ensandecida durante a minha rápida incursão ao lavabo. Troquei a calça do pijama por um jeans aceitável, dei uns tapas no meu chapéu e sufoquei a cabeleira revoltada. Fechei a porta do apartamento sufocando os berros atrás de mim.

O café da esquina era forte como um expresso italiano de verdade, como a minha irmã dizia. Eu não bebo café, mas quem bebe gosta. Sentamos em uma das mesinhas na calçada, onde ainda dava pra ouvir o DVD "Emoções em alto mar" do Roberto Carlos que sempre tocava lá dentro. Era agradável. Pedi um expresso curto pro cara e um chocolate gelado pra mim.

Finalmente acendi o meu cigarro. Àquela altura o cara, Raul, começou a parecer ansioso, mas nada fora do comum, não houve nada fora do comum até ele escrever um nome no guardanapo antes de sairmos do café e nos despedirmos.

Raul parecia um cara de classe média, uns trinta, roupas de loja de departamento não muito novas... começou dizendo que queria que eu seguisse uma pessoa e descobrisse um amante. O de sempre.

Ele bebeu o café curto, eu virei o chocolate gelado, acertamos os detalhes, ele aceitou os meus honorários sem hesitar. Pagou a conta e uma semana de trabalho adiantada em cash. Pedi que anotasse em um guardanapo os dados do meu alvo. Mas pra meu espanto Raul escreveu apenas um nome, um nome duplo. "Roberto Carlos".

O susto me fez soluçar alto um arroto do leite. A onda da erva foi embora. Olhei pra ele com cara de quem pergunta "Tu tá de gracinha com a minha cara?!" e ele me respondeu com o olhar de quem diz "Pode apostar o rabo que o papo é reto". A gente já ia se despedindo, eu dei um tchau meio automático e virei de volta a caminho de casa com o rabo na mão, o dinheiro no bolso e a larica batendo. Não sei o que diabos Raul quer com Roberto, o que sempre importa é que a grana sempre faz falta e a fome sempre aperta depois que a onda passa.

Um pulinho rápido de táxi no McDonald's da Dois de Dezembro com meu notebook. Chove, o Catete alaga. À minha frente, muita água e o sonho da dona de casa brasileira, sete dias com o Rei dos sete mares.


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