quarta-feira, 3 de fevereiro de 2016

Copa das panelas

Liguei a tv voltando da piscina do Copa. Só de toalha. Deixei-a cair. O meu guarda-costas, Mick Jackson, não curte cavalheiros como eu, só damas. Deixou o recinto como eu previra. Me senti um bom jogador de xadrês. Ainda que eu não saiba os movimentos.  E as peças. Só sei o que é roque.

Aumentei o volume e ouvi o que falava William Bonner com voz de televisão:

"Boa noite. Manifestações são esperadas durante o pronunciamento da Presidente da República Dilma Rousseff, no primeiro intervalo comercial desta edição do Jornal Nacional.
A Presidente Dilma deve abordar a histórica e sem precedentes crise orçamentária da União, claramente causada pelo Bolsa Família e pela corrupção na Copa do Mundo da Fifa no Brasil neste ano, da qual a Globo não fez, não faz e não fará parte, que corroe não só o seu governo, mas também o apoio do PMDB, um dos últimos partidos políticos honrados do país.
No Twitter, os meus seguidores estão combinando o que pode ser considerado o maior panelaço da história da dramaturgia jornalística brasileira. Hashtag beijo do Tio.
Veja após os comerciais, a mais nova invenção da indústria automobilística americana, um pioneiro carro sustentável. Você vai conhecer o Boo Car, o simpático carro movido a medo que promete revolucionar o transporte e a qualidade de vida no planeta."

Ouvi algumas pessoas dizerem que algumas pessoas em algumas ruas do país ouviram somente algumas pessoas aderindo ao maior panelaço da história. Poucas panelas. Não aqui.

No ano da Copa, o Copa estava cheio de brasileiros. Muitos abastados. Alguns auto-exilados em Miami. A maioria dantesca de playboys e reaças não assistem a jornal nenhum, mas seguem o Tio no Twitter.

Como com qualquer hóspede, o hotel atendeu às excentricidades sem questionar. Claro que era raro tantos pedidos iguais na mesma tarde. O serviço de quarto do Copacabana Palace entregou pares de panelas em dezenas de suítes em algumas horas.

O primeiro intervalo comercial daquela edição do Jornal Nacional começou. Uma vinheta do Governo Federal anunciava um pronunciamento. Antes mesmo do rosto gasto da Presidente da República aparecer ali, na telinha dos vampiros, teve início um protesto coletivo dos hóspedes. Algo sem precedentes no Palace.

O protesto mais elitista do Brasil. Manifestantes privilegiados. Panelas ricas. Vesti meu terno vermelho.

Sob a trovoada retumbante do panelaço revoltado, não deu pra ouvir o tiro que matou o meu guarda-costas. Nem os tiros que mataram os outros agentes da Operação Panamá.

Ajeitei o chapéu. Acendi uma pontinha me olhando no reflexo da televisão desligada. Eu tinha desistido de tentar ouvir o pronunciamento sufocado da Dilma. No reflexo, atrás de mim, uma silhueta desenhada na meia-luz.

Me virei, vi o revólver, ouvi o tiro, senti a bala. No ombro esquerdo. Não deu pra ver o sangue inundando o terno vermelho. Não deu pra ver o rosto do matador atrás da máscara de meia calça, só o sangue nos olhos.

Lembrei das aranhas que já persegui na parede do lavabo no Catete. Caí no chão. Simulei a minha morte. Perdi de vista o meu quase assassino pela porta da ante-sala, ou ante-quarto. Perdi uma bela dose do meu sangue bom, ou ruim. Dormi.


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