segunda-feira, 8 de fevereiro de 2016

Colônia de pulgas

Não sei como fui parar na suíte do Doutor Simas Polita. Pediatra rico e frustrado, encontrou mais realização e dinheiro na veterinária. Concluiu sua formação em Oxford e hoje é conhecido como o veterinário das estrelas em Miami. Casou-se com uma lindíssima e infiel jovem ex-BBB mexicana, Jimena Longoria.

O Dr. Polita contratou meus serviços ainda na minha primeira semana no Copacabana Palace. Aceitei um gatinho preto ainda filhote como pagamento. Uma gatinha. Ele não podia levantar suspeitas movimentando a conta conjunta. Tudo bem. Eu não tinha muito o que fazer até a quarta-feira de cinzas. E a gatinha preta gostou de mim. Dei o nome de Rita.

Estava na cola da Jimena cem por cento do tempo, enquanto ela não deixasse o hotel, claro. Talvez por isso o doutor tenha me acolhido depois do desmaio. Retribuiu a minha dedicação ao caso dele, um cliente quase pró-bono pra mim, e ao mesmo tempo um caso de grande importância para a colônia de pulgas prosperando atrás de suas orelhas quentes. O Polita praticamente salvara a minha vida e eu me senti quase bem, mas ainda não sabia como fora parar ali.

Lembrei de acender a pontinha de um baseado na noite anterior, do vulto atrás de mim no reflexo da TV. O tiro sufocado pelo barulho ensurdecedor do panelaço do Copa. Lembrei também dos olhos injetados do atirador esperando eu terminar de fingir a minha morte e do sangue encharcando a ombreira do meu Caraceni vermelho.

Agora nu, e zonzo, acordava sem sentir o braço esquerdo. Chamei pelo doutor e nada. Jimena também. Nada. Falei mais alto e decidi fechar a boca antes de terminar a frase. Certamente, se os interessados soubessem da minha sobrevida, eu já estaria sob a terra.

Recobrei a consciência devagar e, deitado ali no quarto vazio, percebi três coisas. Um ferimento suturado no ombro. As janelas, cortinas e portas, tudo fechado. Um barulho vivo vindo de baixo da cama. O som de uma pessoa se mexendo no carpete.

Reconheci o ruído de alguém se coçando impaciente. De repente, um susto. Desenhando a manobra com perfeição acrobática, pousou nas minhas pernas uma linda gatinha preta. Rita.

A pretinha se coçava bastante e, com medo de eventuais coceiras em mim mesmo, tomei a liberdade de chutar gentilmente seu traseiro felino de volta pro carpete felpudo. Ela reclamou um miau baixinho e voltou pra baixo da cama do Polita, onde eu gozava o meu repouso pós-tentativa-de-homicídio.

A porta dupla da ante-sala — ou seria ante-quarto? Mistérios do Copa... — abriu. Avistei três homens. Entraram um a um, sentando-se nas poltronas centenárias que circundavam a cama. A Rita não gostou de alguma coisa e tentou fugir.

Foi interceptada pelo primeiro a entrar no quarto, o Doutor Simas Polita, meu salvador. Ele se sentou  ao meu lado e foi seguido pelo Capitão de Fragata Luiz Felipe Ferro. O terceiro a entrar foi o primeiro dos três a conhecer a minha história e o meu charme, o Investigador da PF Túlio Vega.

Ele parecia me conhecer bem, ainda que tivéssemos trocado poucas palavras depois de protocolada a Operação Panamá. Trouxe uma sacola de papel pardo onde se lia uma letra "M" de Morte... ou de McDonald's.


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